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sábado, 11 de outubro de 2014

PEDAGOGIA BENEDITINA: RUMO AO CORAÇÃO DA VIDA MONÁSTICA




SEGUNDA PARTE




                                 1. RUMO AO CORAÇÃO DA VIDA MONÁSTICA



Procurei utilizar a Primeira Parte deste estudo para apresentar brevemente a situação do ser humano defronte a Deus, a condição espiritual que necessita assumir ao ingressar em uma comunidade monástica – ou seja, assumir-se como discípulo – e o objetivo dessa jornada: amar a Deus acima de todas as coisas e aos outros como a si mesmo. Nisto reside o essencial da Regra de São Bento. Se o meio conventual circundante mostrar-se favorável, e o monge entregar-se sinceramente ao caminho, então, neste caso, terminará alcançando a salvação e também a comunhão integral e mesmo definitiva com Jesus Cristo. Colocando a circunstância dessa maneira, decerto admiramos como o programa beneditino de santidade é algo suficientemente simples para ser sintetizado em um Prólogo, e desenvolvido posteriormente nos capítulos restantes. Sim, eis a verdade: a obra de São Bento de Núrsia surpreende pela clareza e simplicidade. No entanto, do princípio ao termo existem desafios inúmeros que o monge precisará vencer. Por esse motivo, intento aprofundar os conceitos antes já expostos, fazendo uso desta Segunda Parte. Conquanto o modelo de vida monástica beneditina não exija esforços sobre-humanos, o indivíduo deve conservar-se atento. Há minúcias de grande consistência, tarefas ou obrigações ativas e contemplativas que merecem todo o cuidado, e no decorrer da empreitada, isto constituirá a santidade.

Se as meditações ora apresentadas tornarem-se, de algum modo, exercícios práticos, se houver, de fato, não apenas o consentimento intelectual dos leitores a respeito da veracidade dos conselhos que constituem essa análise, se existir, enfim, um tipo de assimilação habitual, terei atingido o objetivo. Pois aquele que se une a qualquer comunidade monástica não deve fazê-lo visando unicamente a contemplação passiva das realidades divinas. Trata-se de padecer o milagre de um novo nascimento, aceitar ser concebido outra vez seguindo o paradigma de Cristo, o Deus encarnado. Sem esse dado prático, ou seja, sem o testemunho visível, a religião é morta, não se expande até abarcar a plenitude do ser humano. Neste ponto, não obstante, urge distinguir claramente a diferença entre atitudes de fé e ativismo. Há no contexto teológico contemporâneo uma corrente que almeja instrumentalizar a essência sobrenatural do homem com a intenção de utilizá-la como meio de transformar radicalmente as estruturas de nossa sociedade. Dentro desse contexto teológico, marcadamente latino-americano, tencionando vincular o evangelho de Cristo ao ideário socialista, tudo consiste em abolir aquilo que é frequentemente denominado pecado social. Com isso, desvia-se o indivíduo de sua obrigação: restaurar a natureza corrompida pelas consequências do pecado.

No começo do Prólogo, São Bento diz:


A ti, pois, se dirige agora a minha palavra, quem quer que sejas que, renunciando às próprias vontades, empunha as gloriosas e poderosíssimas armas da obediência para militar sob o Cristo Senhor, verdadeiro Rei.

Mas o que combatem aqueles que são chamados? Cristo nos responde: a carne, o mundo e o diabo.

São as três causas do afastamento de Deus. Há algo de verdadeiramente maligno em propor aos seres humanos o combate prioritário dos males sociais, em detrimento da batalha contra as fraquezas humanas que nos afastam do caminho. Na medida em que o indivíduo deposita todas as suas energias no ativismo ideológico, projetando a realidade do mal nas estruturas externas, acaba assim abandonando terrivelmente o campo de batalha indicado por Deus: a alma. Não é por acaso que a principal vertente teológica a defender a troca do combate – a teologia da libertação – busque na psicanálise freudiana o argumento necessário para mitigar os conceitos tão tradicionais de pecado pessoal e culpa. Seus adeptos entendem perfeitamente ser imprescindível murchar o aspecto individual e exacerbar o coletivo se o que se pretende é desviar o cristão da luta espiritual e aprisioná-lo na práxis política. Porém, o intento de Deus consiste em colocar-nos para militar sob o Cristo Senhor, verdadeiro Rei, e, conforme sabemos bem, o Reino de Jesus não é deste mundo. Usei, de maneira bastante proposital, o termo maligno ao mencionar a subversão do significado que originalmente se dá ao combate, pois ao demônio interessa, sobretudo, agrilhoar as almas no inferno, e o modo mais eficiente de conseguir isto é perverter a interpretação da Palavra do Senhor. Todo aquele que se utiliza de uma hermenêutica de caráter ideológico com o intuito de explicar os textos bíblicos não se põe a serviço de Jesus Cristo. Só aquele que pratica segundo ordenou o Altíssimo é verdadeiro militante do exército cuja cabeça é o Filho Unigênito.

Por essa razão é tão essencial operar em conformidade com os ensinamentos e as exigências de Cristo. Ele é nosso único Mestre, o caminho que nos conduz à verdade e à vida eterna. Os teólogos da Patrística e da Escolástica, ao unificarem filosofia grega e revelação cristã, não pretenderam submeter o evangelho do Reino a uma determinada visão do mundo ou a uma doutrina social qualquer. Motivada por certas contingências históricas, a Igreja viu-se então confrontada com questionamentos internos e externos, e tentando defender e edificar sua doutrina valeu-se do pensamento grego. Ora, ainda que nem toda a obra deixada por Platão e Aristóteles possa ser conciliada com a Revelação, aquilo que há de essencialmente ético e metafísico, por exemplo, devido à semelhança estabelecida entre as partes, auxiliou na construção de doutrina cristã. Os estudiosos só conseguiram entrelaçar filosofia e teologia porque não encontraram flagrantes antagonismos. Mas quando nos debruçamos sobre o fundamento das ideologias, ali não encontramos a mesma similitude. Falta, em princípio, a certeza da dimensão sobrenatural. Tudo está restrito às contingências do tempo presente e às suas necessidades materiais, adquirindo uma conotação política específica, sempre recoberta com verniz demagógico. Ou seja, não existe verdadeira comunhão entre essências. E mesmo os conceitos de justiça social e caridade cristã – tão parecidos superficialmente – no fundo diferem de forma radical na medida em que o primeiro promete os bens desta realidade temporal e limitada enquanto o segundo assegura os bens relativos à eternidade.

O monge, se o que pretende realmente é militar no exército de Cristo, necessita distanciar-se das armadilhas ideológicas que o aprisionam em um estado espiritual equivocado, precisa manter-se fielmente na estrada do Salvador sem se permitir transviar. Seu real objetivo deve sempre ser direcionar-se rumo ao coração da vida monástica, ou seja, a intimidade amorosa de Jesus Cristo. Eis como é possível traduzir a vocação. São João da Cruz dizia o seguinte: “Amor com amor se paga.” Precisamos retribuir o amor que Deus nos devota, e na condição específica daquele que se submete à Regra, a retribuição ocorre na busca do silêncio e da solidão para melhor escutar o que o Espírito ensina, na convivência fraterna e paciente com os irmãos, na louvação permanente, na santificação através do trabalho e, principalmente, no combate contra os inimigos que nos atacam sem descanso. Somente assim é que nos tornamos semelhantes ao Cristo. Somos convocados, portanto, a restaurar em nós o estado de pureza original comprometido pela ação desastrosa do pecado, e apenas aquele que compreender o espírito da Regra e aplicá-la na prática será verdadeiramente digno de receber o prêmio.



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